A alma dos livros

Por entre o silêncio entrecortado pelos raios de sol que teimam em beijar a janela e o bulício do deslizar dos carros que atravessam o alcatrão, sob uma luz azul de um dia de Primavera, os meus olhos vagueiam tranquilamente pela montanha de livros que habita a minha mesa. Todos os dias há um novo livro que me adota, para que o afague com a minha voz ou somente com a voracidade do meu olhar… Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma de quem os leu e viveram e sonharam com ele. De cada vez que um livro muda de mãos, de cada vez que alguém desliza o olhar pelas páginas, o seu espírito cresce e robustece-se (Záfon, 2016).

A verdade é que os livros não têm dono, são como os filhos que geramos e um dia deixamos voar. As palavras que o autor costura, libertam-se e conquistam novos sentidos, polidos por quem as recebe, abraçados numa intensidade inimaginável. Cada livro, para quem ainda não descobriu, tem uma fragrância especial que emana de cada uma das suas folhas. Cada palavra que as habita ajuda-nos a caiar novos caminhos e assim vamos crescendo um pouco mais, vamos aprendendo a degustar o prazer de caminhar através do olhar do outro, sem medos.

Hoje, no dia em que se celebra o dia mundial do livro e dos direitos de autor, questiono-me se poderia viver sem livros.... Poder até podia, ia, certamente, continuar a respirar, mas não era de todo a mesma coisa, nem a mesma pessoa, nem os dias seriam degustados da mesma forma. Imaginar uma sucessão de sonhos estéreis, sorrisos sombrios, silêncios pesarosos, dias amorfos, noites sinuosas…Não, definitivamente. Não quero sequer imaginar este vácuo contínuo.

Quero, simplesmente, voar mais alto, galgar trilhos incógnitos, refrescar o coração quando ele quer sair desembestado, no silêncio soltar gargalhadas, saborear o perfume das folhas que tocam os sentidos, partilhar ânsias, amores, indiferenças, peripécias a cada novo livro que vem ter comigo. Sim, por vezes são eles que se cruzam no meu caminho e pedem que os acaricie com o olhar. Com eles, conquistei novos amigos, aprendi a costurar palavras e a caiar os sonhos. Por isso, hoje, digo, simplesmente: se o teu caminho se cruzar com um livro não o atropeles, troca reflexões e sonha numa sinfonia que ampute a solidão.

Dir-te-ia o mesmo em qualquer dia porque qualquer é excelente para partilhar leituras, para amar os livros. Hoje é mesmo assim um dia especial! Comemora-o como o dia de aniversário de um amigo, o aniversário do livro e dos direitos de autor, celebrado em cada recanto com as palavras que transbordam de cada página e precisam de cair dentro de alguém. Saboreia-as em silêncio, solta-as em brados, não as derrubes, dá-lhes vida, galga trilhos incógnitos, solta gargalhadas interiores e exteriores, saboreia o perfume das folhas que tocam os sentidos, partilha ânsias, amores, peripécias, memórias, respeita o livro e o rosto que lhes deu feições. Lê, lê todos os dias, respira os livros e jamais estarás só!

Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história (Bill Gates). Acrescentar-lhe-ia outros verbos essenciais, para além de escrever porque os livros têm poderes mágicos que te permitem sonhar, imaginar, voar, comunicar, interpretar, conhecer, descobrir. Tendo em conta que um livro é um brinquedo feito de letras (Rubem Alves), ler e brincar conjugam-se na perfeição.

Será que também tu tens mais algum que lhe possas adicionar?