Para quem ainda não conhece, partilho um excerto da Interminável casa das histórias, cheio de aromas e de cor. Senta-te como te sentires mais confortável, mesmo que seja de pernas para o ar, e coloca todos os teus sentidos em ação antes de iniciares esta viagem.
Maria aproximou-se sorrateiramente, enquanto o avô abria pequenas valas com a enxada. Reparou que as beterrabas e as cebolas já tinham sido semeadas. Naquele momento andava de volta dos pepinos.
Ficou a contemplá-lo, sob uma suave brisa que lhe acariciava o pensamento, e sorriu perante as rugas que embalavam tantas estações e espalhavam segredos pelo mundo. Apreciou as mãos grossas, rugosas e os dedos encurvados do avô, sem luvas. As mãos dele eram mágicas porque ele cuidava da terra com tanto carinho que ela dava frutos de tudo o que ele lá colocava. Não tardaria muito para que dela eclodisse uma explosão de cores.
Com a primavera tudo renascia, os campos despertavam com uma verdura inquieta e dócil que germinava num chão feito de afetos. Lá ao longe, o rio corria o seu rumo, com a silhueta esgalgada, indiferente ao murmúrio alegre daqueles que o circundavam.
Fevereiro veio de rego cheio e as terras beberam sofregamente a água que jorrou dos céus.
As árvores do quintal, cheias de flores, dançavam, mas fingiam que nada se passava. Os pessegueiros já faziam lembrar o festival das amendoeiras em flor. Maria lembrava-se das vezes sem conta em que subira com o avô a eles para apanharem aquele fruto dos deuses.
Comerem aqueles pêssegos debaixo da árvore acabados de colher sabia divinalmente. Com tantas árvores espalhadas pelo quintal, havia fruta deliciosa todo o ano. Algumas daquelas árvores já tinham começado a germinar os frutos que a avó aproveitava para as compotas. Como ela dizia: era um desperdício não aproveitar o excesso, além daqueles que se comiam. Em vez de fertilizarem a terra ou serem alimento para os pássaros, eram aproveitados para doces de fruta para barrar o pão.
Enquanto o avô agasalhava a terra, Maria ajudava com a plantação dos morangos e das abóboras. Estavam nesta azáfama há já algum tempo quando, do outro lado do muro, ouviram uma montanha de palavras muito malcriadas que chegaram entrecortadas. Aquela voz não era a do senhor Jerónimo, um vizinho bastante simpático, por sinal, e muito bem-educado com toda a gente. Apesar de esta ser uma situação anormal, desligaram e continuaram a laborar.
O sol saçaricava mais alto àquela hora, os seus raios aqueciam um pouco mais e naquele dia pareciam caiar com mais intensidade tudo o que tocavam. Já se dizia há muito tempo, antes do tempo, que o sol de março queima a dama no paço.
O relógio do alto da igreja contou o batimento cardíaco do dia. No final, avô e neta orvalharam delicadamente a terra, de modo a não estragar todo o trabalho. Ouviu-se o silvo que anunciava a chegada de peixe fresco por aquelas bandas.
Quando regressaram a casa, a avó continuava na cozinha. A panela em cima do fogão bafejava fragrâncias de uma deleitosa cabidela. Aquela labuta na terra tinha-os deixado esfaimados. Aproveitaram para dar umas dentadas na fruta que ainda não tinha sido triturada para a panela, enquanto aguardavam que o almoço se fizesse.
- Que cheiro delicioso, avó!
Queres continuar a voar pelos sentidos e entrar numa aventura com a Maria? Partilha comigo a tua opinião. Há muito mais à tua espera dentro desta interminável casa.
Elisabete Brito
Uma casa na Lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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