A voz do silêncio

Dezembro caminha. Por estes dias há uma palavra que ressoa em mim – o silêncio. O ruído que nos cerca chega cada vez mais estridente e não vale a pena tentar abafá-lo porque vai continuar a corroer-nos. Se as luzes piscam e as músicas entoam porquê falar em silêncio? Precisamente por isso. Sem ele não conseguimos ver, escutar e sentir verdadeiramente.


Somos demasiado barulhentos, mesmo no mundo virtual. Proliferam os estímulos sonoros. Fala-se demais, reclama-se demais, maltrata-se inadvertidamente nas rotinas dos dias, ouve-se muito pouco. Entre tudo isto, foge-se do silêncio como se respirássemos o ruído e o trânsito constante, sugados pelas rotinas, enclausurados, nas horas tantas vezes iguais que se multiplicam. Estamos diante de uma sociedade de fragor, de excesso de estímulos e de distrações, de informação e de comunicação.


Diante deste alvoroço estapafúrdio, um furacão permanente de informação e também desinformação, acabamos tantas vezes por ter apenas superficialidade e dispersão. Falta o silêncio, de quem a sociedade moderna se divorciou. Sem ele não se apreende, não se aprofunda, não se escoa o essencial, não se escuta, não se reflete. Na verdade, como se aprende verdadeiramente sem tudo isso?


Desaprendemos com o tempo a lidar com o silêncio. Se recuarmos alguns anos, antes da internet ou de tantas outras coisas, a muitos custa compreender como se vivia, tudo era simplesmente diferente, com outra tranquilidade. Na verdade, a noite era o tempo do repouso e do silêncio.


Se por instantes, cai o silêncio, incomoda porque nos deixa mais vulneráveis. É difícil estarmos apenas com os nossos pensamentos. O silêncio desperta emoções e a tendência é inundar o outro de perguntas que preenchem o vazio, mas que mais não fazem do que estorvar o processo de comunicação. Qual o sentido de bombardeares de perguntas alguém que em silêncio chora?


Precisamos de recuperar e cultivar o silêncio, uma vez que nele aprendemos a libertar-nos de pensamentos, medos e desejos. No silêncio dispersamos o que ficou lá atrás e a pressão das expectativas do futuro. Mas, na verdade, não adianta dividirmo-nos entre o que foi e o que virá se não estivermos presentes. Somente no hoje nos encontramos. Essa é uma caminhada diária de aprendizagens e descobertas.


Nem sempre o silêncio é sinónimo de tristeza ou de problemas. Nem sempre o silêncio é solidão ou apatia. Quando ficamos em silêncio estamos presentes, sem distrações. Talvez estejamos aí de corpo inteiro. Olhando para os atritos que grassam pelo mundo, dos maiores aos mais pequenos e todas as consequências que daí advém, poderia o silêncio ter evitado tanto, principalmente este vazio de relações, estas costas voltadas e esta destruição, os males da humanidade.


É fundamental aprender a escutar o que os outros dizem, mas também aquilo que não dizem. Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade... (Rubem Alves)


Por que é assim tão essencial? É uma forma de nos sentirmos mais presentes porque é ele que nos permite serenar e reencontrarmo-nos. Permite-nos a construção de espaços para a organização de ideias e novas formas de pensar. Nunca te apercebeste que quando relaxas e silencias a tua mente, acabas por estar mais predisposto para a criatividade e te surgem momentos inspiradores?


Num mundo onde tanta gente se gaba de dizer o que pensa, a pessoa temperante prefere, ao contrário, pensar no que diz. A pessoa temperante sabe pesar e dosear bem as palavras. Pensa no que diz (...). Há um tempo para falar e um tempo para calar, mas ambas requerem a medida certa. (Papa Francisco)


Preciso do silêncio para respirar, para estar comigo. Sem ele vagueio sem rumo. As palavras que caem na folha nascem precisamente do e no silêncio e quando caem no teu colo chegam cheias de intensidade desses silêncios. Não apenas pelo facto de exteriormente não existir som, mas os silêncios que moram dentro de mim. No silêncio mora a densidade e a profundidade. Ele é bálsamo e equilíbrio.

Desafio-te neste instante. Para tudo o que estejas a fazer. Observa silenciosamente o que acontece à tua volta sem qualquer esforço. Experimente relaxar, escuta somente. Os teus sentidos vão ficar mais despertos. Se não for desta, tenta amanhã, depois e depois. Não disse que era fácil escutar o silêncio, mas o desafio maior está aí. As palavras de Alberto Caeiro mostram-nos precisamente isso:


Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.


Precisas de ter contigo muita persistência. Contudo, lembra-te que o silêncio não tem corpo nem ocupa espaço. Não é pintado nos quadros, nem tocado na música. O silêncio não é o oposto do ruído, é muito mais... é um saber que se sente e se sabe e se não diz.(Teresa Bracinha Vieira)

Elisabete Brito


Uma casa na Lua

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Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.

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