Hoje gostava de falar-vos sobre um espaço que aprendi (quando as abracei em contexto académico) a olhar com outros olhos, os olhos de quem ama. Falo deste espaço no singular deliberadamente. As bibliotecas.
Noutros tempos, nas origens da minha relação com a leitura, as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian foram uma lufada de ar fresco. Nessa altura não abundava a facilidade de acesso aos livros. Ainda hoje me lembro do rosto do senhor que conduzia a carrinha mágica que transportava os sonhos feitos de palavras. Muita tinta correu desde então e em 2002 foi extinto o serviço.
Hoje existem as bibliotecas públicas (não descurando outras mais especializadas e específicas, mas hoje é sobre estas que me quero debruçar) e todas são diferentes pelos livros que aconchegam, pelos utilizadores que por elas entram diariamente ou pelos curiosos, pelo ar que se respira por entre os corredores, pela criatividade com que abraçam a novidade. Não obstante, os seus objetivos são análogos, obedecem às mesmas normas e assentam nos mesmos pressupostos.
As bibliotecas metamorfosearam a sua forma de estar nestas últimas décadas. Houve tempos em que eram espaços em que reinava o silêncio. O hábito cultural de frequência de um espaço como o da biblioteca não é partilhado pela globalidade dos indivíduos, daí que ainda haja muitas pessoas que a encaram no seu sentido tradicional, ou seja, a biblioteca vista como um mero local de preservação de objetos de uma memória simbólica e da sua difusão e quiçá desses silêncios.
Nos tempos mais recentes foi-se reajustando e reinventando. Tornou-se um lugar mais aprazível, de comunhão, de partilhas e de muitas e novas aprendizagens. Os seus utilizadores não podem ser, como aconteceu durante muito tempo, vistos como meros consumidores desse que é um produto cultural. Devem ser olhados como sujeitos produtores de conhecimento. Daí que as bibliotecas devam caminhar, cada vez mais, no sentido de se consolidarem como um espaço dinâmico para a produção e promoção da criação cultural aberto a todos. As bibliotecas, na globalidade, são um portal de acesso à informação, um meio para combater a iliteracia tradicional e digital e ainda um espaço cultural, que permite apoiar as distintas conjunturas da vida dos indivíduos, de forma gratuita.
Atualmente não se trata apenas de aceder à informação, que nos entra pela porta a qualquer instante, mas ao conhecimento. Numa sociedade cada vez mais exigente, é fundamental saber distinguir a informação que interessa e que é suscetível de ser metamorfoseada em conhecimento daquela que é acessória e supérflua. Por isso um espaço como a Biblioteca Pública além de ser um portal de informação é também uma instância de mediação e um lugar de educação intercultural, tendo em conta que permite uma interação com a diferença e com a pluralidade de pontos de vista. Sendo um portal de acesso ao conhecimento, auxilia no gládio contra a iliteracia, a exclusão social e cultural, além de que possibilita o fortalecimento da cidadania, através da interação social.
A Biblioteca Pública é hoje um organismo vivo. Não é uma ilha, não se confina às paredes de um edifício. Saiu fora de portas. Vai ao encontro de grupos singulares ou de contextos peculiares, como os hospitais, as prisões, os lares, aos jardins, com distintas iniciativas com o intento de abarcar toda a comunidade. Além disso, a pandemia, por mais assustadora que possa ter sido, fez com que as bibliotecas desenvolvessem outras aptidões e contornassem toda a conjuntura. Ao longo do país foi extraordinária a forma como se reaproximaram quando estávamos enclausurados e levaram a muitas pessoas combustível para a alma, nomeadamente através do empréstimo de livros ao domicílio, dos clubes de leitura online, das leituras ao telefone ou de webinares.
"As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante." (Valter Hugo Mãe)
Depois de tudo isto, há quanto tempo não entras numa biblioteca? Estás à espera de quê para entrar numa mais próxima de ti? Sabias que "as bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar" (Valter Hugo Mãe). Há sempre algo novo para descobrir e não irás saber se não passares para o outro lado da porta. Podes trazer um (pelo menos um) livro contigo ou algo mais. Podes querer voltar e tens direito a não voltar. Se não experimentares não vais saber.
Elisabete Brito
Uma casa na lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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