Já ouviste falar dos dez direitos inalienáveis do leitor, a que Daniel Pennac faz referência na sua obra “Como um romance"? Quero falar-te sobre eles:
1. O direito de não ler;
2. O direito de saltar páginas;
3. O direito de não acabar um livro;
4. O direito de reler;
5. O direito de ler não importa o quê;
6. O direito de amar os «heróis» dos romances;
7. O direito de ler não importa onde;
8. O direito de saltar de livro em livro;
9. O direito de ler em voz alta;
10. O direito de não falar sobre o que se leu.
Quem desse lado não usufruiu algures no tempo de algum destes direitos?
Quiçá, sem muitas vezes nos apercebermos espoletamos algumas situações como a primeira. O imperativo não aproxima, afasta. Os livros não têm culpa, mas o imperativo destrói leitores. Agride! Corrói! Ler não pode ser um imperativo! O ato de ler deve ser uma relação de amor. Esse amor que se transmite de dentro para fora, nunca de forma inversa.
Naturalmente, só um leitor poderá transmitir esse amor que se conquista com tempo e no tempo. Se assim não for, como se transmite aquilo que não se sente? Está estampado no olhar vazio, na voz oca e corpo imerso em mudez.
As palavras de Pennac dizem-nos que “depois de ler um livro nunca mais se é a mesma pessoa que era antes de lê-lo”. Jamais! Esta pode ocorrer numa relação silenciosa, mas também através da voz de outrem porque assim também se ama.
A leitura é exigente? Claro que sim, ela torna-nos permanentemente criadores, com a imaginação em movimento. Basta sentir o pulsar dos olhares pequeninos quando se contam histórias e, de repente, o voo é longo. Sabias que quem lê em voz alta (quando em si se entranham a leitura) é alvo de uma enorme exposição diante daqueles que direcionam para si toda a atenção? Mas também se sentem as palavras amorfas que não rimam com tantos corpos.
Também é exigente para os mais novos que a começam a descobrir. Tantas e tantas vezes as exigências pedagógicas querem ritmos apressados que destabilizam mais do que equilibram. Na verdade, encaixam na perfeição no meu pensamento quando Pennac diz que “o ritmo de aprendiz de leitor (…) tem acelerações e regressões bruscas, períodos de bulimia e longas sestas digestivas”. Querermos uniformizar o que não é uniformizável é loucura. Mesmo assim permanece a tentativa. Nesta altura os leitores começam a nascer com uma nova autonomia e, por isso, é importante que sintam como se amam as palavras, como podem voar e sonhar, ainda que a ritmos completamente díspares. Nesta relação é permitido saltar páginas, cada leitor saberá a sua razão.
Todos têm direito de não acabar um livro. As razões podem ser múltiplas. Noutros tempos houve um livro que teimosamente me fazia parar na mesma página, com insistência. Porquê? Interpretei aquela mensagem como não sendo ainda o momento certo para o nosso encontro. Mais tarde peguei nele e li-o, de fio a pavio. Qual foi a sensação? Adorei! Cada livro tem o seu tempo para cada leitor. Por vezes são os livros que nos escolhem. Alguma vez te aconteceu seres escolhido por um livro?
Quem nunca releu um livro que levante a mão! Talvez seja difícil. Tantas e tantas vezes noutros tempo o fiz. Podem dizer-te que é absurdo reler. Repetes algo que já fizeste? Já conheces o conteúdo do livro. Engana-se quem o diz. Reler é renovar esse amor e por mais que repitas a leitura jamais terás a mesma sensação. Em cada leitura vais descobrir algo que não viste anteriormente e cada leitura é uma dádiva, um encontro inesperado, um deslumbramento.
Tens o direito de ler não importa o quê. És livre. A escolha é tua. Mas também tens o direito de ler não importa onde. Junto ao mar, no silêncio do teu recanto, na biblioteca, no café… Tantos podem ser os locais, mas isso não define a tua leitura. O livro e tu, leitor, serão os mesmos independentemente do lugar onde se encontrem. Nesta relação com o livro, podes amar os «heróis» e quem sabe não se tornam eles uma referência que te permite guiar o teu próprio caminho.
Saltar de livro em livro é como se debicar um pouco de cada um e prolongar essa relação que criamos no tempo. Muitas são as pessoas que o fazem e sentem-se confortáveis, tal como aqueles que leem um de cada vez.
Por último, tens o direito de não falar sobre o que leste. Se tenho esse direito vou continuar a usufruir dele. Não vou resumir-te o livro de que li. Vou falar-te de como ele me conquistou. Posso sugerir-to, mas o que mora dentro dele serás sempre tu a descobrir porque apesar de o livro ser o mesmo, o que sentimos jamais será idêntico.
Quando tiveres um encontro com um livro, lembra-te que ele te abre portas e assim estimula, incita e te torna livre para pensares, sonhares e seres uma pessoa mais completa.
Elisabete Brito
Uma casa na Lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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