As operadoras de telemóveis surpreendem-nos anualmente, no período de Natal, com anúncios de publicidade distintos, com mensagens sui generis. Por esses dias, com casa cheia, entre filmes de Natal e afins acabei por parar para olhar uma em particular com o slogan: Experimenta viver mais. A certa altura o miúdo que se esqueceu, supostamente, do telemóvel em casa questiona: E falo com quem? Com um bando de velhos? De repente ressoou em mim a ideia de uma barreira entre gerações e a dificuldade de interação. Mas tudo o que acontece a partir daí é uma gigantesca reviravolta.
A mensagem final indica-nos que 41% dos jovens passam mais de 6 horas por dia online. Por isso, deixam uma mensagem muito particular: A vida pode ser tão ou mais aditiva do que um telemóvel. Experimenta vivê-la mais.
Por que é que te falo acerca de tudo isto? Vou falar-te sobre anúncios publicitários? Apenas deste como exemplo. Na verdade, este anúncio levou-me num primeiro instante para A interminável casa das histórias pelo paralelismo com as personagens da história – Maria e Simão, quando num primeiro encontro inesperado, ele reclamava: Mas será que nesta terra não há rede suficiente para se poder falar ao telemóvel? Cá em casa não há internet... Não há nada que se faça. Não sei o que é que estou aqui a fazer!
Foram precisamente os ecrãs que me desafiaram e se transformaram no mote para o nascimento desta história, diante de crianças, com todos os ingredientes necessários para explorar e brincar. Silêncio não rima com crianças. Esse foi o primeiro passo quando se evidenciava já que o uso de diferentes tipos de ecrãs traria mudanças comportamentais e sociais. Muito para além disso foi também espoletando impactos para a saúde e para o neurodesenvolvimento.
A explicação para esta dependência está associada à produção de dopamina (substância associada ao prazer). Além disso, está tudo à distância de um clique. Quando consideramos que responde às necessidades de comunicação e socialização, enganamo-nos. Além disso, as crianças precisam de desenvolver competências de autorregulação e aprender a lidar com a frustração.
Esta interação virtual furta tempo para brincar, para falar e estar presencialmente. Todos sabemos que é a brincar que as crianças aprendem aquilo que levam para a vida, é a brincar que constroem o mundo real. Na verdade, nunca estão apenas a brincar. Estão a aprender a comunicar, a explorar, a imaginar, a criar, a escutar, a estar no lugar do outro. Em cada gesto, em cada partilha é a empatia que se desenvolve. Os ecrãs oferecem passividade.
As histórias podem chamar-nos a atenção para problemas, para mudanças de comportamento. Trazem-nos prazer, mas podem constituir-se também como um excelente antídoto para a reflexão. A interminável casa das histórias não é apenas uma história bonita ou mais uma história. É uma história feita de pessoas que moram dentro daquelas páginas, que pretendem acrescentar-nos algo que deixamos desvanecer. Partilho um pedacinho de tudo aquilo que o Simão descobriu:
Quando se deu conta, estava ele a bradar à desgarrada com Maria só para escutarem o eco do outro lado do monte.
Apercebeu-se de como era graciosa a fruta acabada de colher da árvore, de como era incrível correr pelos campos e sentir o perfume da terra, deliciou-se com as compotas da avó Noémia e os tons mais que perfeitos do pão da avó Rosa, ouviu histórias que jamais imaginou, brincou a jogos de há muito tempo, antes do tempo que ele sequer imaginara, contou segredos aos pássaros. Dizem os mais velhos por aqueles lados que tirou a barriga de misérias.
Talvez as crianças de hoje precisem de aprender que para lá dos ecrãs (“presentes envenenados” in Uma família desligada de Amélie Javaux) nem sempre os dias são fáceis. Uns tem a capacidade de destabilizar de tanto que resmungam. Outros jorram tempestades.
No entanto, há muitos cheios do canto dos pássaros, de pés descalços, de lua e de sol, de estações que se abraçam, de ar puro, de risos e gargalhadas. É assim que a vida abraça, com alma. Por isso, tentei transpor para este livro essa alma dos instantes mais simples e genuínos, a humanidade, a presença com tempo para esse tempo de que muitos se queixam. Vão fugindo os espaços do estar, do falar e do ver passar o tempo, quando cada um se refugia no seu canto diante de um ecrã, porque os afetos são precisos. Sabes qual é a receita para a felicidade? Estarem ligados uns aos outros, a si mesmos e à natureza (in Uma família desligada de Amélie Javaux).
O tempo não volta. De que falará o vazio quando o corpo tiver medrado? Não falará porque se esqueceu como se fala, como se abraça e como se sorri.
Elisabete Brito
Uma casa na Lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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