Os avós são pessoas especiais e uma peça importante do puzzle da vida dos netos e os netos vice-versa na vida dos avós. São um tesouro doce como o mel e com um coração gigante, cheio de tempo e de paciência, em cada gesto lançam sementes no nosso caminho, quer morem perto ou longe. São assim, únicos como só eles sabem. Os meus têm sempre a porta aberta e, por isso, entro em casa deles, no silêncio, de cada recanto, e sinto a intensidade das estrelas para iluminar a caixa de saudades!
O dia dos avós foi instituído pela Assembleia da República em 2003. Este dia foi escolhido pelo facto de este ser o dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo.
Os avós cirandam por entre as rotinas, mas também na literatura são muitas as histórias em que lá moram. Dei por mim a olhar para as estantes para vos falar sobre alguns. Acredito que imaginas logo a história do Capuchinho Vermelho que ia visitar a avó que estava doente. Essa é apenas uma de entre muitas e já todos conhecem, leitores e não leitores. Quero falar-te de outras que o tempo foi trazendo, mas muitas outras poderás tu descobrir e outras se escreverão com o tempo. Hoje falo-te de seis leituras que partilho contigo.
O avental da minha avó é um texto de Andreia Duarte, ilustrado pela Natalina Cóias (Paleta de Letras). Este avental muito especial guarda muitas emoções e saudades e haverá certamente muitos que se conseguirão rever num avental como este. Talvez as avós de hoje não usem tanto o avental, mas que ele tem poderes mágicos é bem verdade. Nem imaginas as mil e uma coisas para que ele pode servir. Tem cheiros, aconchega, tem mimo, limpa, guarda, seca. Para te mostrar um cheirinho, deixo-te com as palavras que moram dentro desta história: o avental da minha avó ganhava vida e servia como pega para tirar as panelas do fogão onde cozinhava, com o coração, belas sopas de feijão!
Não podia deixar de te falar sobre a minha A Interminável casa das histórias que, apesar de não ter mencionar no título os avós, dentro das páginas desta história moram avós muito parecidos com aqueles que se cruzam contigo. Não é pelo facto de estarem dentro dos livros que deixam de ser parecidos com os da vida real- o avô António, um senhor já com os seus cabelos brancos da cor da neve, abriu os braços e Maria, de coração quente, agarrou-se a ele. Os avós têm esta capacidade extraordinária de serem também personagens da História de um país e de um povo- Avô, fala-me das tuas histórias no mar…, mas também nos trazem, colado no corpo, aromas inesquecíveis -Como sempre dizia a avó, barriga cheia, cara alegre. As histórias multiplicam-se dentro da história e teletransportam-nos para lugares mágicos, que cada leitor encontrará com o coração.
Os avós são as pessoas preferidas dos pássaros é um texto de Raquel Patriarca, com ilustrações de Sérgio Codeço (Nuvem de Letras) que nos revela um pouco daquilo que todos sabemos, mas nem sempre dizemos porque os avós deste livro são muito parecidos com queles que moram noutras vidas. Fala-nos sobre aquilo que aproxima avós e netos, independentemente da idade que os separa.
Ao longo das páginas deste livro deparamo-nos com um misto de magia e humor que nos leva, em muitos casos, para outros dias e outros espaços onde estes e os netos criam memórias (o que acontece todos os dias em algum canto) – em casa dos avós há sempre um bolso (ou quarto ou cave ou sótão) muito desarrumado. Na verdade, os avós são mestres dos netos e o contrário também é verdade porque a vida entre uns e outros é uma construção de aprendizagens e sentimentos recíprocos.
Há avós com mais paciência do que outros, uns mais novos do que outros, mas, na verdade, a autora conta-nos, que, tal como na vida, os avós são trazidos de um lugar mágico e viajam sempre num barco de piratas.
O avô Jacinto e os macaquinhos do sótão, um texto de Sofia Fraga ilustrado por Sebastião Peixoto (Minotauro), é uma história ternurenta sobre o poder da palavra e da imaginação. Esta história que nos mostra a casa de um avô escritor está recheada de expressões idiomáticas e metáforas, que espoleta imagens divertidas.
Na casa deste avô as palavras ganham vida e estão em todos os escaninhos. No sótão, há macaquinhos, mas pela casa há também pulgas atrás das orelhas, ratos de biblioteca, bichos-carpinteiros e outros de sete cabeças. Tudo isto acontece com o avô num casarão enorme e amarelecido onde vivia, tão ou mais velho do que ele próprio.
Com este avô, o menino desta história diz que nunca fez coisas banais para muitos - ele nunca jogou à bolsa comigo, nunca me levou ao parque para andar de baloiço ou de escorrega, nunca me pôs sequer às cavalitas, mas confessa - dei a volta ao mundo, andei pela selva em lianas, naveguei os sete mares, conheci uma tartaruga sem carapaça e um melro-poeta, pilotei aviões de ar gente. Este é o poder da imaginação e das marcas que tudo isso deixa no coração!
Avó de coração, um texto de Cristina Taquelim ilustrado por Mafalda Milhões(Zero a Oito), é uma história que tem dentro de si muito para lá do tema da solidão da velhice, ainda que mesmo esse esteja carregado de ternura. Fala sobre a relação entre os mais novos e os mais velhos, os refugiados e as amizades. Nele há também saudade e o estar longe do olhar, mas isso é bem diferente do estar do coração. Esse sabe estar perto em qualquer situação.
Noutros tempos quando a saudade chegava -o inverno chega mais depressa- a solução chegava sempre - uma carta. Elas tinham uma capacidade extraordinária de aproximar, apenas pelo simples facto de escrever. Nesta história mora uma avó de coração, carregada de amor e quando isso acontece há memórias que jamais se apagam - Ainda hoje, sempre que vejo sardinheiras lembro-me dela, das cartas e daquele regresso. Nunca esquecerei os olhos de espanto e o sorriso da avó Arminda.
A última leitura que partilho contigo é O avô tem uma borracha na cabeça, de Rui Zink com ilustração de Paula Delecave (Porto Editora). A pergunta que se coloca é o que fazer quando alguém de quem gostamos nos começa a esquecer? Mais uma vez a imaginação de um neto diante de um avô que vai perdendo as memórias, em busca da cura.
Nestas páginas deparamo-nos com a sensibilidade de uma criança que nos acrescenta uma lição fundamental e extraordinária - o amor é sempre mais importante e a nossa criatividade vai inventando formas de estar sempre com o coração- O avô tem uma borracha na cabeça? Pois nós somos um lápis! Sê o lápis daqueles que amas e cujas memórias teimam em querer apagar-se.
Celebrar este dia é festejar a vida, perpetuar a memória e compor histórias. Será um pouco como refere Afonso Cruz, combater a noite com canteiros.
Ninguém faz pelos netos, o que fazem os avós: eles salpicam uma espécie de pó de estrelas sobre as suas vidas. (Alex Haley)
Elisabete Brito
Uma casa na Lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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