Esta aventura começou com uma questão nas redes sociais durante o mês de outubro - Acidentalmente abres uma caixa que deveria estar fechada. O que descobres?
De entre as várias respostas, foi selecionada desta vez a resposta de Maria Vaz- Lá dentro encontro parte dos meus sonhos e um mapa de orientação do caminho que tenho de percorrer para os realizar. Mas concluo que nem todos os passos me servem. Aquela não é a minha caixa. Voltei a fechá-la - que deu origem este conto escrito a várias mãos. Teve a participação de Cláudia Barata e das escritoras Elisabete Brito e Maria Teresa Portal Oliveira. Obrigada a cada uma por entrarem neste desafio e por lançarem sementes!
Subiu ao sótão. Já não entrava lá desde que deixara de sentir os abraços da avó. Ao empurrar a pesada porta de madeira, sentiu uma lufada de ar empoeirado. A luz que vislumbrava nas sombras e entrava pela exígua janela, mal permitia vislumbrar tudo à sua volta. O pé de Júlia pisou um objeto estranho.
- Ai… Por que é que tive a feliz ideia de vir para aqui sozinha?
Quando se baixou, apercebeu-se de que era uma caixa. Pegou nela. Era de madeira, pintada à mão.
- Oh, não me lembro desta caixa. Nunca a vi antes. Talvez a avó a tenha pintado e não me mostrou.
Apesar da ténue luz, era bonita. Assim que tocou na fechadura, abriu-se. Lá dentro encontrou parte dos seus sonhos e um mapa de orientação do caminho que tinha de percorrer para realizá-los. O coração, inesperadamente, disparou apressado. Fechou novamente a caixa com ímpeto.
- Não, esta caixa não é minha! Nem todos os passos me servem!
Ficou a matutar no mapa dos sonhos. Não se encaixavam nela porque havia um mapa que sinalizava o caminho para realizá-los. Não resistiu. A curiosidade venceu o medo. Pegou na caixa novamente e viu que, além do mapa, havia uns círculos coloridos com as sete cores do arco-íris, que não vira da primeira vez. Junto deles um texto com uma mensagem curta:
Instruções: segue a primeira cor quente do arco-íris.
Era o vermelho. Pegou no círculo e sentiu o seu corpo a tremer. De repente, viu-se nas nuvens, com as instruções e os círculos na mão. Ao longe viu um intenso e delongado arco-íris. Puxada pelo vento, mergulhou na cor e soube-lhe a groselha misturada com morango. Uma estrada avermelhada estendia-se à sua frente.
-Vens de longe, pequena? - olhou e não viu ninguém.
-Sou eu, o laranja do arco-íris. Sinto-me tão sozinho, sempre junto do vermelho e do amarelo. Só podemos dialogar os três e o vermelho está sempre maldisposto.
Júlia lamentou, mas não sabia como ajudá-lo.
-Sabes quando gosto de aqui estar? Quando as crianças correm atrás de nós para descobrirem o pote das moedas de ouro guardadas pelos duendes- soltou o laranja, deixando escapar um sorriso.
Não puderam conversar mais porque o círculo amarelo, com cara de poucos amigos, resmungou:
-Não podem estar caladas? Preciso de um descanso reparador. Isto de dizer que vem sol é cansativo. Se eu pudesse...
- Se pudesses o quê?!?- questionou Júlia.
Sentia-se pequena naquela imensidão de cores de arco-íris e a seguir acrescentou:
- Ó amarelo, podias rezingar menos e ser mais simpático, podias cantar uma canção!!!
-Não! –ripostou o vermelho. O mapa dos sonhos disse que tínhamos de segui-lo. Não percamos tempo. Temos de saltar para o amarelo, de acordo com a indicação anterior. Só assim é possível desvendares o enigma para concretizares os teus sonhos.
O amarelo estava arreliado, um pouco amuado, sem saber porquê. Talvez por se meterem com o arco-íris e com o seu sossego.
-Eu não tenho instruções – retorquiu.
-Tens- disse a Júlia - Eu estou a vê-las a cintilar com a cor dos teus raios e a claridade da tua esperança. Respira e confia.
Júlia virou a cor de pernas para o ar e leu: -Salta para a cor mais fria do arco-íris, que guarda o mistério e o poder transformador. -Era o roxo. Mas ficava lá tão longe!
Nesse instante sentiu as suas pernas a alongar como se fosse um gigante e deu um salto enorme. Viu-se no meio daquela cor escura e fria. Ficou arrepiada num primeiro instante, mas respirou mais serena quando a cor falou.
-Eu invoco a noite e o escuro. Para poderes encontrar os teus sonhos, terás de dormir entre as orquídeas do teu jardim.
Assim que as palavras se libertaram na brisa, viu-se transportada para o fim do arco-íris que acabava bem no meio do seu jardim, perto do lago, no meio das orquídeas roxas.
Num ápice viu-se abraçada pela noite. Estava serena e Júlia adormeceu, mas por muito pouco tempo. Animais estranhos com as cores do arco-íris dançavam à sua volta e começaram todos a cantar. Quando se calaram, Júlia viu no lugar do pote, outra caixa.
- Será mágica? Tem umas letras estranhas, parecem desenhos. O que será?!?
Júlia abriu a caixa e desmaiou. Dentro estavam umas asas que se colaram nas suas costas e, quando despertou, mirou-se e remirou-se diante do seu ágil e leve corpo de fada. Dentro da caixa havia outro bilhete. Leu-o baixinho para sentir a intensidade de cada palavra.
Para seres feliz, tens de dar alegria e cor àqueles que no teu coração sentires mais tristes, não importa a forma do corpo. Quando o manto da noite cair serás fada para salpicares os sonos de sonhos. Quando romperem os primeiros raios do dia serás apenas menina. Mas a menina que mora no corpo de Júlia nunca poderá descobrir o segredo que guarda a noite porque senão jamais realizará os seus sonhos.
Quando a luz começava a querer romper a madrugada, a fada deitou-se. Pouco a pouco os raios irromperam vivazes entre as montanhas e Júlia despertou. As horas anteriores àquela manhã, desde a sua visita ao sótão da casa, esfumaram-se, tal como a caixa. Despertou serena e leve como uma pena. Desconhecia que em si moravam os poderes para semear alegria à sua volta e assim colher felicidade. Esse é um longo caminho que aprenderá a percorrer com o coração.
Nas noites em que a vigília te assaltar, não te assustes se vislumbrares ao longe uma sombra com asas. É a Júlia a voar na noite, principalmente quando cai o orvalho.
Elisabete Brito
Uma casa na Lua
Olá, convido-te para a minha Casa na Lua!
Elisabete Brito é doutorada em Sociologia, Mestre em Educação e Bibliotecas e licenciada em Literaturas Modernas. Na escrita mora a sua forma de ser, de ler e de estar, entranhada em tudo o que faz. Com as palavras pinta o mundo, costura os sentidos, reinventa os dias e, acima de tudo, brinca. Gosta dos abraços do mar, do charme das flores e dos segredos que guardam as noites estreladas, de andar com a cabeça nas nuvens e dos mistérios cheios de poesia.
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